Dados fornecidos à ANS pelas empresas que comercializam planos de assistência à saúde demonstram que a proporção de cesarianas no setor é alarmante, situando-se em torno de 80%. Este percentual é totalmente discrepante em comparação ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde (15%) e aos resultados encontrados em outros países, tais como Holanda (14%), EUA (31%), México (34%) e Chile (40%). Além disso, a proporção de cesarianas do setor suplementar influencia negativamente os dados nacionais: no sistema público de saúde brasileiro, esta proporção é de 26%, bem próxima aos valores encontrados nos outros países, enquanto o resultado nacional, que considera os partos realizados nos setores públicos e privados, é de 43%. Ressalta-se que que em nenhum país foi encontrada uma proporção de cesáreas tão elevada quanto a existente hoje nos planos de saúde no Brasil, o que confere a este setor o desagradável título de campeão mundial de cesarianas.
Trata-se de um título indesejável, pois, por ser uma cirurgia indicada para os casos que configurem risco materno e/ou fetal, a cesariana, quando eletiva, ou seja realizada sem que exista uma indicação médica precisa, aumenta os riscos de complicações e de morte para a mulher e para o recém-nascido.
Não raro, as cesarianas são agendadas antes de a mulher entrar em trabalho de parto, aumentando a chance de o bebê ser retirado do útero ainda prematuro, já que é impreciso o cálculo da idade gestacional realizado antes do parto por meio da ultrassonografia ou considerando-se a data da última menstruação. A definição exata se o bebê é ou não prematuro somente ocorrerá após o nascimento.
A retirada cirúrgica de bebês do útero antes que tenham atingido a completa maturidade fetal é grave pois estudos demonstram que fetos nascidos entre 36 e 38 semanas têm 120 vezes mais chances de desenvolver problemas respiratórios agudos e, em conseqüência, necessitar de internação em UTI Neonatal do que aqueles nascidos com 39 semanas ou mais. Esta situação, além de aumentar os custos hospitalares e o risco de desenvolvimento de outros problemas de saúde o bebê, ocasionados pela internação, gera uma separação abrupta e precoce entre mãe e filho, num momento primordial para o estabelecimento de vínculo, para uma melhor adaptação do recém-nato à vida extra-uterina e para o início do aleitamento materno.
Além disso, as chances de a mulher sofrer uma hemorragia ou infecção no pós-parto também são maiores em caso de cesárea, existindo ainda um risco aumentando de ocorrerem problemas em futuras gestações, como a ruptura do útero e o mau posicionamento da placenta.
Tais riscos não são percebidos em nosso meio. Isso porque predomina a visão de que o desfecho da gestação será melhor e mais seguro quando abordado na perspectiva da ultra-especialização e do elevado uso de recursos tecnológicos. Ademais, a conveniência do agendamento e do tempo gasto na cesariana, bem como a insuficiente participação feminina nas decisões clínicas relacionadas ao tipo de parto, gerada pela assimetria de informação entre médico e paciente, estão entre as causas apontadas por especialistas para a “superindicação” de cesáreas.
Outrossim, como muitos mitos sobre contra-indicação de parto normal fazem parte do imaginário coletivo e são utilizados para justificar cesarianas desnecessárias, é importante esclarecer que situações como cesariana anterior, gestação gemelar, fetos grandes, podem ou não determinar a necessidade de uma cesariana. E ainda, que existem situações como o cordão umbilical envolto no pescoço, baixa estatura da mãe, idade gestacional de 40 semanas, entre outras, que isoladamente não justificam a realização de uma cesárea.
Por último, é importante destacar que quando a equipe de saúde possui uma atitude acolhedora, quando há estímulo para a participação de acompanhante durante todo o trabalho de parto e no parto, quando a mulher é encorajada a ter uma postura ativa, movimentando-se durante o trabalho de parto, adotando posições nas quais sinta-se mais confortável e tendo acesso a métodos para alívio da dor, a vivência do parto pode configurar-se como uma enriquecedora experiência de vida.
A ANS, a partir da constatação da proporção descabida de cesarianas desnecessárias no setor suplementar, tem proposto ações com o intuito de reverter esse quadro e nesse sentido lança um movimento pelo parto normal, em que um dos objetivos é capitanear as discussões sobre as estratégias para redução das cesarianas desnecessárias e o incentivo ao parto normal, envolvendo todos os segmentos implicados com este tema. Contudo, esta é uma discussão que não deve ficar restrita ao âmbito da agência reguladora, deve mobilizar em especial as mulheres, as quais devem ousar reivindicar o direito de dar à luz por meio de parto normal, com autonomia e segurança, vivenciando esse momento especial de forma saudável e prazerosa.
Fonte: ANS Agência Nacional de Saúde Complementar